08
Criar capacidade epidemiológica para o enfrentamento das principais causas de morbidade
A crise do coronavírus mostrou a importância da epidemiologia para as políticas de saúde. Uma estratégia epidemiológica efetiva permite direcionar as ações, desafogar o sistema, melhorar os indicadores gerais de saúde da população, endereçar os determinantes sociais e, por consequência, atender à demanda da população por um sistema de saúde que supra suas necessidades. É também fundamental no combate a epidemias de doenças infecciosas como a Covid-19. O potencial do uso e análise de dados epidemiológicos vem sendo subutilizado na gestão do SUS. A implementação desta proposta possibilita à gestão pública conciliar a oferta e demanda e entregar melhores serviços de saúde para todos.
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Criar capacidade epidemiológica para o enfrentamento das principais causas de morbidade
Ações na prática e seus indicadores
Diante da pandemia de Covid-19, muitos municípios se viram sem epidemiologistas em suas equipes. A presença desses profissionais é fundamental para o enfrentamento de uma pandemia gripal como a Covid-19, atuando na construção de estratégias de testagem e na instituição de políticas-chave como a de rastreamento de contatos. O desafio está na concentração desses especialistas nos centros urbanos, e sua relativa escassez: na plataforma LATTES constam apenas cerca de 12,5 mil epidemiologistas no Brasil. Para acessar esses profissionais os municípios podem contratar consultorias específicas, buscar o apoio dos governos estaduais ou mesmo criar consórcios junto a outras cidades para realizarem este tipo de contratação.
Os sistemas de níveis de alerta classificam a gravidade de uma pandemia, recomendando quais atividades podem ser mantidas e quais devem ser restritas orientando políticas de resposta. Diante do contexto de incerteza sobre o fim da Covid-19 e da possibilidade de futuras pandemias, os municípios precisam adotar este tipo de prática, que ajuda a gestão a comunicar os níveis de risco sanitário de maneira transparente para a população, incentivando as mudanças comportamentais que precisam ser adotadas para o controle dessa e de outras doenças. A definição clara dos indicadores que serão acompanhados para avaliar o agravamento da pandemia ajuda a orientar a necessidade de interrupção ou retomada de atividades e a definição de outras políticas, como o rastreamento de contatos e a testagem.
A política de rastreamento de contatos mapeia os contactantes dos casos confirmados de uma doença específica, o que possibilita entender melhor a dinâmica social e territorial da doença e mitigar seu contágio, por meio da constante comunicação e direcionamento dos infectados. Se bem sucedida, tal política permite o controle de endemias antes de chegarem ao nível de transmissão comunitária. Para implementar o rastreamento em larga escala para o controle de doenças que já têm alta prevalência, o município pode agir em coordenação com as equipes de saúde da família e em especial os Agentes Comunitários de Saúde.
Indicador: existem algumas opções, a depender da maturidade dos dados administrativos, mas exemplos seriam a proporção de casos confirmados com contatos rastreados em até 24h ou o percentual de casos confirmados que haviam sido rastreados.
Dados epidemiológicos a nível dos municípios geralmente exigem mais esforço de extração nas bases de dados, ou apresentam um grau alto de atraso até que fiquem disponíveis, o que é menos frequente para estados e para o nível nacional. Extrair e disponibilizar para os gestores esses dados exige planejamento, uma vez que existe muita heterogeneidade entre municípios e entre bairros do mesmo município.
Some-se a isso o fato de que somente o dado epidemiológico puro não dá conta de evidenciar a necessidade de ação sobre alguns determinantes específicos. Por exemplo, já se tem evidência de que hipertensão em mulheres jovens está relacionada a situações de abuso e violência e que existe projeção de aumento de mortes por doenças crônicas na população negra. O cruzamento de variáveis permite uma ação mais acurada por parte do poder público, reduzindo problemas da invisibilidade.
Indicador: disponibilização desses dados + painel de monitoramento que inclua a carga de doenças territorializada + dados epidemiológicos do painel com segmentação por variáveis de determinantes sociais das doenças.
Quais problemas resolve
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O sistema de saúde é pouco resiliente no enfrentamento às emergências de saúde pública, como ficou evidente na pandemia do novo coronavírus, pois:
• Não há visão prévia de potenciais crises, seja por falta de dados ou por subutilização dos dados existentes para monitoramento, planejamento e tomada de decisão;
• Há baixa capacidade epidemiológica, ou seja, de inteligência para construir respostas rápidas de contenção e mitigação em caso de crises e/ou emergências de saúde pública; - O Brasil vem experimentando uma tendência de aumento na mortalidade infantil e materna;
- Espera-se um aumento de mortalidade por condições crônicas na população negra;
- O sistema está sob constante pressão por doenças infecciosas e reemergentes, o que poderia ser evitado.
Passos para implementação da proposta
Identificar e descrever as doenças mais frequentes no munícipio
Construir plano de contingência, capacitando toda a força de trabalho da saúde no enfrentamento de pandemias;
Criar um Comitê Gestor (ou Grupo Condutor) Multiprofissional de Análise de Situação de Saúde;
Para cada doença prioritária, institucionalizar um processo de gestão que englobe todos os serviços envolvidos para apoiar processo de gestão em rede com as equipes de saúde para cada doença;
Monitorar bimensalmente ou trimestralmente a evolução dos indicadores pré-estabelecidos no Comitê Gestor;
A partir do monitoramento, qualificar o cuidado por meio do uso indicadores em oficinas, fóruns, rodas de conversa e espaços de qualificação profissional com periodicidade definida, liderados pela Secretaria e envolvendo ponta, média e alta gestão.
Desafios políticos e administrativos
Um dos desafios que o gestor pode encontrar na implementação desta proposta é a baixa capacidade da burocracia nas áreas de TI, programação, ciência de dados e epidemiologia. Essas expertises podem ser contratualizadas, se necessário, em uma abordagem mais pontual, mas também por programas de transferência de conhecimento.
Além disso, boa parte dos profissionais envolvidos na implementação dessas mudanças tem formação em saúde, onde há culturas profissionais bem enraizadas e, em geral, pouca intimidade com a manipulação mais profunda de bancos de dados, o que pode gerar alguma resistência.
Não menos importante, alguns indicadores epidemiológicos podem demorar para mostrar resultados mais significativos, o que pode interferir negativamente na comunicação e na motivação dos envolvidos.
Estudo de caso
Reorganização da classificação de risco em Ubiratã
A Secretaria Municipal de Saúde de Ubiratã, cidade paranaense localizada a 550 quilômetros da capital, reorganizou os critérios para classificação de risco a partir de uma investigação do perfil epidemiológico do município, identificando quais fatores adoeciam e quais garantem saúde às pessoas. Para isso, foram realizadas reuniões populares levantando as sentinelas de risco.
Na metodologia adotada, foi atribuído um valor de risco para cada uma das nove mil famílias da cidade, construindo um índice por quadra, agrupando quadras em blocos. Assim, oito microáreas de risco foram identificadas, permitindo reestruturar o processo de territorialização em um período de dois anos e meio. A partir daí, houve integração dos setores de Vigilância e Atenção Básica e dos agentes de endemias com agentes comunitários de saúde. Essa experiência mostra como é relevante territorializar dados epidemiológicos e socioeconômicos para melhorar a entrega de serviços públicos.
Iniciativa de rastreamento em Diadema
Em Diadema, a equipe da saúde vem desenvolvendo estratégias para melhorar o rastreamento e tratamento de sífilis congênita e adquirida. Como parte do plano, foi implantado um protocolo para a equipe de enfermagem, habilitando os profissionais a realizar o teste rápido em gestantes e em situações com maior possibilidade de exposição à sífilis.
Também foram formadas, em todas as unidades básicas de saúde, equipes de aconselhamento para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, HIV e hepatites virais. Houve ainda a implantação do Comitê de Transmissão Vertical e grupos técnicos para potencializar discussões e troca de experiências, além da elaboração e implantação de receituário padronizado para o tratamento da sífilis. As estratégias utilizadas demonstram impactos positivos em curto prazo e com custo relativamente baixo. Isso reforça a importância de articular a vigilância com os serviços de saúde, conectando o uso de dados com estratégias de ação na ponta. Essa experiência pode embasar ações para o combate à pandemia de Covid-19.
Ao criar capacidade epidemiológica, o município consegue mapear necessidades e demandas de saúde de acordo com o perfil da população, garantindo mais efetividade e integralidade dos serviços e possibilitando a avaliação do impacto das políticas adotadas.
Abaixo, descrevemos os mecanismos através dos quais essa proposta impacta positivamente o sistema de saúde, resolvendo os problemas especificados acima:
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AÇÃO | Mecanismo/produto | Resultado | Impacto |
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• Garantir acesso a um epidemiologista que apoie a estratégia da secretaria, instituindo níveis de alerta e política de rastreamento | • Profissionais da saúde capacitados e/ou contratados para atender as demandas de implementação • Implementação de um Centro de Informações Estratégicas em Saúde • Reorganizar as regiões de saúde com foco na alocação de profissionais de saúde de acordo com as realidades locais por problemas de saúde • Rastreamento de contatos para isolar e orientar indivíduos que ampliam cadeias de transmissão • Estruturação de uma metodologia para adequar as políticas públicas à curva da Covid-19 em nível local | • Ganho de capacidade analítica da gestão municipal da Saúde • Implantação de áreas técnicas de Informações Estratégicas em Saúde pactuado com as necessidades sociais em saúde • Melhoria na qualidade das informações em saúde • Quebra da cadeia de transmissão do novo coronavírus • Política de resposta à pandemia ancorada em dados e indicadores objetivos e coerente com a situação da doença em cada município | • Indicadores de saúde bem definidos • Organização das redes assistenciais • Qualificação do cuidado • Redução do ritmo de contágio do novo coronavírus |
• Desagregar dados da carga global de doenças e dados ligados aos determinantes sociais por município/território
| • Gestão diagnostica situação de saúde de modo territorializado (imunização, DCNT, arboviroses, acidentes e violência, etc.) | • Definição de indicadores de saúde territoriais • Elaboração do mapa de determinantes sociais a saúde que interferem nos agravos de saúde e doenças no território | • Redução das desigualdades e morbimortalidades • Sistema mais resolutivo • Atendimento humanizado |