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Melhorar a Regulação em Saúde para acabar com as filas

As filas para procedimentos, consultas e internações no SUS e o alto tempo de espera são um importante motivo de avaliação negativa entre os usuários. Há vários problemas que decorrem disso, desde a agudização de problemas de saúde até aumento dos custos de tratamento. O não acesso a intervenções em tempo oportuno pode agravar condições tratáveis e impactar na mortalidade, o que ficou mais evidente com a crise do coronavírus. Quadros mais complexos também consomem mais recursos da saúde. A Regulação é uma estratégia de racionalizar os fluxos para acesso a tratamentos, uma potente ferramenta de gestão capaz de interligar a rede de saúde. Esta proposta aponta como os gestores municipais podem tirar o melhor da Regulação para otimizar o SUS municipal.

Ações na prática e seus indicadores

A qualificação dos processos de Regulação é valorosa, mas antes é preciso atuar sobre o estoque de filas já existente. Caso contrário, a efetividade da melhoria da Regulação fica comprometida.

Há dois níveis de ação que precisam ser adotados nesse sentido:

1.Auditar as filas existentes seguindo a ordem do final para o início. É importante garantir que ainda existe necessidade de realização de tratamentos/procedimentos, que as indicações são reais e verificar se a demanda pode ser resolvida por outros profissionais, via Atenção Básica e NASF, por exemplo.

2. Aumentar a oferta de alguns procedimentos de modo agudo e emergencial. Podem-se citar como caminhos para ampliar a oferta: as contratualizações com o setor privado ou filantrópico, a implementação de mutirões de procedimentos e cirurgias na rede própria, criação de terceiro turno para serviços cruciais onde haja maior estoque, contratação temporária e emergencial de profissionais, etc.

Indicador: percentual de procedimentos/tratamentos com estoque zerado ou reduzido em termos percentuais (com meta a pactuar)

Por vezes, os profissionais atuantes na Atenção Básica podem ter dúvidas na avaliação de alguns casos, o que pode gerar um número significativo de encaminhamentos. Instituir um mecanismos de teleconsultoria entre especialistas e médicos da Atenção Básica poderia: 1) sanar dúvidas sobre condutas e critérios clínicos, evitando encaminhamentos, e 2) agilizar prescrições de exames e avaliações adicionais prévios à primeira consulta com os especialistas (o que garante um melhor uso do espaço da primeira consulta – eliminando uma consulta apenas para solicitação de exames complementares). Existem vários modelos possíveis para implementação, que vão desde ferramentas de comunicação síncrona via telefone ou ligação de vídeo, até uso de e-mails e outras formas de comunicação assíncrona.

Indicador: proporção de equipes com acesso a algum meio de teleconsultoria com especialistas na Atenção Básica.

O absenteísmo em exames e procedimentos é um importante fator de desperdício de recursos monetários e não-monetários. Se, por um lado, a auditoria das filas pode garantir que os pacientes com melhora espontânea sejam retirados da lista de espera, o esquecimento é um fator relevante para os usuários que mantêm a necessidade do encaminhamento – especialmente quando existe um grande espaço de tempo entre a data de solicitação e de agendamento da consulta. Estratégias de lembrete, como mensagens de texto, ligações, aviso via redes sociais, etc., são efetivas para redução de faltas.

Indicador: redução percentual de absenteísmo desagregada por procedimento (com meta a pactuar).

A Regulação otimiza o uso dos recursos destinados à Saúde. Sua ausência causa problemas na consolidação da integralidade, na equidade e também de ordem econômica. Os municípios que têm rede de referência própria devem implementar mecanismos de Regulação, por meio de uma central (ou centrais). O Ministério da Saúde tem materiais orientadores para a implementação, traçando desde a necessidade de estrutura física até os modos de operar.

O sistema de regulação precisa ser transparente, possibilitando ao cidadão acompanhar o andamento das filas em tempo real, o que vai reduzir a alocação clientelista e indevida de vagas. O status de leitos e centros cirúrgicos, por exemplo, também deve ser publicizado, de modo que se criem mecanismos de constrangimento à reserva indevida de leitos e salas cirúrgicas dentro das unidades executantes.

Indicador: percentual de referências (por tipo) reguladas, no âmbito do município + disponibilização de dados abertos do Sistema de Regulaçãocom especialistas na Atenção Básica.

Um dos propósitos da Regulação é garantir o acesso a serviços de saúde, respeitando a necessidade e o risco de cada usuário ou usuária. Contudo, essa aferição de risco e necessidade só se torna efetivamente impessoal e justa se todos os casos forem analisados a partir dos mesmos critérios. Para isso, devem existir protocolos implementados tanto do lado de quem referencia quanto de quem julga o pleito de encaminhamento.

Indicador: linhas de cuidado com protocolos implementados + proporção de adequação e capacitação profissional para adesão aos protocolos.

Quando medimos um processo entendemos como melhorá-lo. A Regulação deveria fornecer mais dados para sua própria melhoria e para a melhoria do sistema. Por exemplo, o acompanhamento de tempo médio de acesso para cada procedimento, absenteísmo, a taxa de retorno para retirada de resultados, a análise de tempo de permanência em diferentes serviços, o tempo de comunicação entre serviço executor e as centrais de Regulação, etc. A criação de um rol de indicadores que meçam a Regulação como processo ajuda na compreensão de gargalos, que, muitas vezes, não se restringem à baixa oferta de serviços de maior complexidade.

Indicador: painel de avaliação de Regulação implementado, com um número parcimonioso de indicadores, pactuados com gestores e profissionais envolvidos.

A Regulação também facilita a avaliação de processos em outros pontos do sistema, ajudando a direcionar os esforços de melhoria para onde é mais necessário. Por exemplo, a central de Regulação consegue identificar solicitantes que tenham mais solicitações negadas e/ou mal preenchidas; solicitações que não fecham os critérios mínimos para encaminhamento, números muito altos ou muito baixos de pedido de exames diagnósticos e de rastreamento (como a mamografia e o PSA) por profissional solicitante, etc. Isso ajuda a programar adequações, capacitações e necessidade de mudanças no âmbito da gestão.

Indicador: solicitações devolvidas e incompletas por solicitante, desvios na solicitação de exames, dentre outros, a depender das prioridades municipais.

Núcleos Internos de Regulação se localizam nos hospitais que recebem usuários e usuárias regulados pelo município. É uma ferramenta de gestão prevista no SUS já há alguns anos e que se presta ao papel de coordenar e monitorar a disponibilidade de leitos por especialidade, conhecer a necessidade de leitos, gerenciamento e regulação da oferta e gerir conhecimento interno (inteligência) de modo a subsidiar um bom planejamento e permitir a adequação do perfil de leitos demandados e oferecidos. O NIR também ajuda a monitorar tempo de permanência e tempo de ociosidade.

Indicador: percentual de hospitais sob administração do município com NIR implementado.

Quais problemas resolve

Passos para implementação da proposta

Revisar as filas já existentes, iniciando do final para o início;

1

Garantir espaço físico, que pode ser próprio ou alugado, para instalação das centrais;

2

Dialogar com as lideranças hospitalares para viabilizar a estrutura física para os NIRs;

3

Garantir que haja prontuários eletrônicos dos usuários e usuárias – e que estes consigam integrar com o sistema da Regulação;

4

Mapear os protocolos do MS aos quais o município não tenha aderido e usá-los como base para capacitações no início da implementação dessa proposta. Buscar fontes confiáveis para protocolos que faltem;

5

Escolher um Sistema de Informação que atenda às necessidades municipais e que, preferencialmente, seja integrável aos módulos de sistemas Estaduais e/ou Regionais;

6

Alinhamento e pactuação de indicadores de Regulação (e/ou ligados à Regulação) com os gestores de serviços e profissionais de linha de frente.

7

Desafios políticos e administrativos

Os maiores desafios da Regulação estão ligados à resistência à mudança inerente ao setor Saúde, que possui culturas organizacionais em geral bastante enraizadas. Esse desafio deve ser considerado pela gestão, pois pode comprometer toda a implementação.

É fundamental garantir apoio das altas lideranças dentro dos serviços. A Educação Permanente pode ajudar a angariar apoio entre os profissionais envolvidos, bem como outras ferramentas de gestão como o planejamento estratégico. Outra questão tem a ver com estrutura física e capacidade de contratação de pessoal qualificado. A gestão deve estar preparada para negociar uso de espaços ociosos e ter clareza dos perfis profissionais que está buscando, para compatibilizar a carga horária destes com a remuneração disponível.

Sistemas de informação também são críticos para essa proposta, o que configura um desafio em todo o país. O município pode optar por usar sistemas nacionais ou contratar outros. Vale ressaltar que o sistema é um componente para o sucesso da iniciativa, mas não único. Há países que realizam bons trabalhos de Regulação com sistema ruins, enquanto países com sistemas melhores podem falhar. Treinar e gerir os profissionais e a comunicação entre os serviços e as centrais reguladoras é outro desafio para a gestão, além, é claro, da definição de processos de trabalho esperados para cada parte da engrenagem da Regulação.

Estudo de caso

Telessaúde apoia a Regulação em Joinville

O Telessaúde é uma ferramenta de articulação entre Atenção Primária (AP) e Atenção Especializada (AE), pois estimula uma nova forma de comunicação entre os pontos de atenção, amplia a resolutividade e reduz os encaminhamentos. No município de Joinville, em Santa Catarina, a aposta foi implantar como passe obrigatório no encaminhamento à ortopedia a qualificação da rede de atenção à saúde em todos os níveis, além de ofertar atividades de teleducação voltadas para as principais dificuldades de gestão da fila.

A iniciativa ajudou a diminuir em 78% a fila para primeira consulta de ortopedia, com tempo de espera reduzido de 13 para 2 meses. Em média, 75% dos casos têm sido resolvidos na Atenção Primária com auxílio da teleconsultoria, e houve queda de 50% dos encaminhamentos da ortopedia geral para as subespecialidades. Para a gestão, a proposta permitiu a construção de protocolos clínicos mais realísticos e houve boa aceitação das capacitações presenciais realizadas por ortopedistas e reumatologistas. A incorporação do Telessaúde foi um passo importante e necessário no processo regulatório.

Curitiba

Tão importante quanto oferecer o melhor tratamento é garantir seu início em tempo oportuno. Regular com agilidade salva vidas e poupa recursos municipais, possibilitando a diminuição de até 80% nos custos totais. Uma Regulação bem estruturada promove a redução de filas no SUS e otimiza todo o sistema.

Abaixo, descrevemos os mecanismos através dos quais essa proposta impacta positivamente o sistema de saúde, resolvendo os problemas especificados acima: 

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AÇÃO
Mecanismo/produto
Resultado
Impacto
• Reduzir ou eliminar o estoque de filas para procedimentos, consultas e internações
• Ampliação aguda de vagas e retirada de referências desnecessárias das filas
• Eliminação ou redução considerável do estoque de usuários em listas de espera
• Redução dos tempo de espera no SUS
• Implementar mecanismos de teleconsultoria
• Profissionais da Atenção Básica tem assessoria especializada para definir condutas e avaliação de casos
• Redução de encaminhamentos evitáveis
• Melhor uso do espaço de primeiras consultas na atenção especializada, quando estas forem realmente necessárias
• Ganho de conhecimento por parte dos profissionais atuantes na Atenção Básica
• Redução de tempo de espera no SUS
• Aumento da resolutividade
• Implementar estratégias de redução de absenteísmo em procedimentos regulados
• Usuários são lembrados de seus agendamentos e tem oportunidade de remarcação, caso não possam comparecer
• Redução de absenteísmo
• Redução de desperdício de recursos por ociosidade
• Redução de tempo de espera
• Implementar centrais e/ou sistemas de Regulação interoperáveis com sistemas Estaduais
• Incorporar as centrais de acordo com as Diretrizes Estaduais para a Regulação por meio da Deliberação CIB 6/2012, além de diálogo entre os gestores municipais e estaduais de uma região de saúde, permeando o planejamento regional.
• Potencialização da integralidade da atenção à saúde
• Garantia de transparência do sistema de Regulação
• Redução da alocação clientelista e indevida de vagas
• Instituir protocolos e guias de encaminhamento
• Utilização de normas e protocolos para orientar o acesso, definindo responsabilidades e disponibilizando informações relevantes para a tomada de decisões.
• Maior efetividade na disponibilidade ao ofertar e suprir vagas para quem tem mais necessidade em saúde, de modo impessoal e justo.
• Eficácia e olhar vivo para a operacionalização das Redes de Atenção à Saúde (RAS), qualificando as agendas e o percurso do usuário e usuárias nos pontos de atenção
• Criar grupo de indicadores de avaliação de processo regulatório
• Gestores identificam rol de indicadores que possibilitem avaliar a operacionalização da regulação.
• Regulação passa a ser um serviço monitorado, o que corresponsabiliza atores e a inclui no ciclo de aprendizado e melhoria de processos no sistema.
• Regulação mais eficiente
• Usar indicadores de encaminhamento da Atenção Básica (com dados da Regulação) para melhorar sistema municipal
• São identificados fatores relacionados às condutas clínicas de encaminhamento, liberação de resultados de exames, etc.
• Processos de encaminhamento são avaliados
• Condutas clínicas que desviam do padrão ótimo podem ser readequadas
• Programação de adequações, capacitações e necessidade de mudanças no âmbito da gestão assistencial.
• Qualificação das práticas clínicas em toda a Rede de Atenção à Saúde
• Implementar Núcleos Internos de Regulação (NIRs), quando cabível
• Os NIRs geram dados sobre a capacidade instalada e demanda, além de métricas de permanência
• Articulação com a RAS para alocação vagas/leitos
• Redução de tempo ocioso dos recursos, redução de cancelamento de procedimentos e exames, cancelamentos, etc.
• Otimização do acesso às informações sobre a capacidade hospitalar e condições clínicas dos usuários
• Redução de desperdício de recursos por ociosidade
• Garantia de transparência do sistema de Regulação
• Regulação mais eficiente