06

Treinar, capacitar e motivar a força de trabalho da saúde

Serviços públicos são feitos de pessoas. A produção e resolutividade da atenção básica é em grande parte determinada pela quantidade, qualidade e gestão dos recursos humanos disponíveis. No SUS o desafio é peculiar, especialmente por conta da grande possibilidade de mobilidade dos profissionais da saúde no mercado de trabalho público e privado, principalmente nos grandes centros. Esta proposta mostra como planejar, capacitar e estimular a força de trabalho da saúde municipal. Uma política de educação permanente em saúde, que inclua treinamento e desenvolvimento, deve vir atrelada a incentivos que possam valorizar o profissional e ajudar na retenção dos talentos no município.

Ações na prática e seus indicadores

Identificar as funções profissionais existentes na SMS e unidades de saúde, com os respectivos quantitativos, tipos de vínculos e tempo de serviço de cada um. 

Indicador: mapa de funções e quantitativo de recursos humanos (estatutários, CLT e terceirizados) elaborado.

Definir, com base nas funções existentes e necessárias (existentes ou não), os quantitativos de pessoal, assim como as habilidades e competências (soft e hard) relacionadas a cada função e a periodicidade da sua renovação, levando em conta a evasão e aposentadoria. Aqui, deve ser prevista a ampliação da atuação da enfermagem e a inclusão de atividades de promoção e vigilância na função dos ACS – Agentes Comunitários de Saúde.

Indicador: plano elaborado.

Há algumas possibilidades em relação às formas de contratação de pessoal e respectivos vínculos com o serviço de saúde. Alguns locais contratam diretamente na SMS com vínculo estatutário, geralmente com remuneração baixa e sem incentivos além da estabilidade. Outros contratam por meio de empresa pública social, com vínculo CLT, ou mesmo por meio de parcerias com entidades do terceiro setor como as Organizações Sociais, também com vínculo CLT, além das atividades de suporte que geralmente são terceirizadas. As opções com vínculo CLT propiciam maior flexibilidade para definir planos de cargos, carreiras e remuneração com prêmios por desempenho, além de atrelar progressão à educação permanente.

Indicador: estratégia de contratação por função definida.

Elaborar um plano de recrutamento para cada função, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. Para funções como médicos e enfermeiros, a criação de um programa de residência em saúde da família pode funcionar tanto para lotar esses profissionais nas unidades como criar vínculo entre os residentes, pacientes e estrutura do serviço, funcionando também como incentivo à permanência desse profissional ao término da residência. Em todos os casos, a definição de planos de cargos, carreiras e remuneração em nível de mercado e atrelada a incentivos de desempenho pode seduzir profissionais que se identifiquem com o serviço de saúde local. Também é importante definir a periodicidade dos recrutamentos e montar um banco de reserva de pessoal, para futuras reposições.

Indicador: plano de recrutamento elaborado.

A evidência mostra que motivar a força de trabalho não depende só de incentivos financeiros, mas de uma combinação de incentivos financeiros e não financeiros. Municípios devem elaborar um plano que congregue essas duas dimensões para contar com uma força de trabalho capacitada e motivada. Incentivos monetários no nível do equipamento e do indivíduo aumentam a produção de serviços e podem ter impacto direto na saúde da população. Diante de recursos escassos e de carreiras profissionais caracterizadas por senso de propósito e motivação intrínseca, os incentivos não monetários podem ser bastante efetivos. Prêmios para os melhores profissionais, que gerem reconhecimento social, podem motivar a força de trabalho, e mesmo incentivos não condicionais ao desempenho, como presentes, podem fomentar o desempenho, por meio de um mecanismo de reciprocidade. Por fim, elementos que trabalhem o senso de pertencimento à comunidade e de propósito da profissão também ajudam a alinhar os incentivos da força de trabalho. O município pode usar de modos menos tradicionais para tal, homenageando a força de trabalho em outdoors e programas de rádio.

Indicador: porcentagem da força de trabalho sujeita a incentivos monetários
e não monetários.

A partir do mapeamento e da elaboração do planejamento da força de trabalho, deve-se mapear as competências existentes na força de trabalho atual e definir as habilidades e competências necessárias para cada função.

Indicador: LNT – Levantamento das Necessidades de Treinamento elaborada, mapeando todas as competências necessárias para cada categoria profissional.

O plano de capacitação objetiva que os profissionais já existentes obtenham as competências necessárias e aqueles recrutados fiquem alinhados com os conhecimentos identificados para cada função que será exercida. O plano pode prever certificação para funções específicas. As atividades devem conter tanto conhecimentos específicos de cada função – dimensões da assistência e da gestão – quanto conhecimentos mais práticos e polivalentes, e podem ser orientadas aos problemas práticos vivenciados no sistema.

A política de educação permanente deve ser perene, realizando formações recorrentes ao longo de todo o ano, e deve caracterizar-se por sua intencionalidade, fornecendo de maneira precisa as competências profissionais necessárias. A política de Educação Permanente pode também fomentar a colaboração e mentoria entre profissionais mais experientes e mais jovens, e reconhecer práticas inovadoras implementadas no território.

Indicador: plano de EPS – Educação Permanente em Saúde elaborado; percentual da força de trabalho capacitada em matriz de competências pré definida.

Quais problemas resolve

Passos para implementação da proposta

Levantar as funções profissionais e quantitativos de pessoal existentes na SMS e unidades de saúde, com os respectivos tipos de vínculos (estatutário, CLT, contratado por OS, contratado por empresa, contratado por convênios, etc) e cálculo do tempo que falta para a aposentadoria;

1

Elaborar mapa com as funções consideradas necessárias, quantitativo de pessoal necessário, habilidades e competências necessárias a cada função;

2

Comparar o necessário e o existente, considerando os tempos que faltam para a aposentadoria de pessoal existente, a fim de planejar um calendário de substituições, além de uma estimativa de evasão periódica de cada função;

3

Definir os tipos de contratação e vínculos por função, levando em conta a premissa de lotar pessoal estatutário permanente nas funções de formulação, monitoramento, avaliação e fiscalização, podendo prever vínculo CLT para as funções de prestação de serviços de saúde direto à população, por meio de Organizações Sociais ou outro tipo de parceria do município com organização da sociedade civil, além das terceirizações de atividades de suporte;

4

Elaborar plano de recrutamento de pessoal, por concurso público no caso de estatutários e CLTs por empresa pública ou processo seletivo próprio juntamente com as Organizações Sociais, no caso em que exista a parceria para a gestão compartilhada. No caso de seleção para contratação por OS, o plano deve ser elaborado juntamente com a OS parceira, que irá executá-lo;

5

Elaborar a LNT – Levantamento das Necessidades de Treinamento;

6

Elaborar Plano de EPS – Educação Permanente em Saúde;

7

Implementar o Plano de EPS, por meio de estrutura própria da SMS ou criação de uma Escola de Governo e saúde pública, com possibilidade de terceirizar a realização dos cursos e programas. As OSs podem executar o plano de EPS no caso dos funcionários CLT por elas contratados. Aqui também se incluem os programas formativos, como residências médicas e de enfermagem e especializações.

8

Desafios políticos e administrativos

Um primeiro desafio a ser enfrentado pelo gestor é a resistência dos profissionais a treinamentos não formativos, especialmente relacionados a protocolos e processos de trabalho. Isso acontece de forma mais intensa com profissionais de saúde que detém uma gama ampla de conhecimentos e podem se sentir tolhidos em ter que aplicar somente um recorte definido pela nova instituição (processos administrativos e protocolos clínicos definidos).

Um outro desafio para o gestor, especialmente na área de saúde, também é destinar parte do orçamento já insuficiente para ações que não sejam relacionadas diretamente a assistência ou vigilância. Daí, as ações de educação permanente e de meios administrativos são sempre preteridas e consideradas de menor relevância.

Estudo de caso

Capacitação e motivação da força de trabalho no Ceará

Capacitações orientadas a problemas em Sobral

Em uma Unidade Básica de Saúde no município de Sobral, no Ceará, foi organizada uma atividade de Educação Permanente para melhorar a assistência aos usuários que experienciam algum sofrimento psíquico, uma vez que esse desafio foi diagnosticado no equipamento de saúde28. As atividades empregaram metodologias de problematização (Arco de Maguerez) para disparar reflexões sobre a prática cotidiana dos profissionais e a atividade englobou todas as equipes mínimas de Saúde da Família (exceto médicos) que atuavam na unidade.

Escola de Saúde Pública

A Escola de Saúde Pública do Ceará trabalha, desde os anos 1990, com a aprendizagem baseada em problemas para impactar a formação de profissionais para o SUS. A escola oferta cursos técnicos, de especialização, aperfeiçoamento e atualização e já abriu turmas para formação de Agentes Comunitários de Saúde em diversos municípios, como a capital Fortaleza, Tauá, Iguatu e Horizonte.

Combate da mortalidade infantil como propósito

A política de Agentes Comunitários da Saúde implementada nos municípios do Ceará entre os anos 1980 e 1990 usou de diversas estratégias engenhosas e de baixo custo para incentivar a força de trabalho. Os principais mecanismos de motivação eram o fomento do senso de propósito e pertencimento dos profissionais de saúde. Os profissionais foram motivados pela missão do programa, focada no combate à mortalidade infantil. O estado também usou de diversos mecanismos de reconhecimento profissional, por meio de propagandas no rádio, fomentando a importância social destes profissionais de saúde.

Curitiba

Treinar, capacitar e motivar a força de trabalho impacta diretamente na produção e resolutividade da atenção básica, ampliando o acesso e melhorando a qualidade da saúde municipal.

Abaixo, descrevemos os mecanismos através dos quais essa proposta impacta positivamente o sistema de saúde, resolvendo os problemas especificados acima: 

Utilize os dedos para navegar horizontalmente pela tabela

AÇÃO
Mecanismo/produto
Resultado
Impacto
• Mapear a força de trabalho
• Planejar a força de trabalho
• Gestão consegue traçar uma demografia de seus Recursos Humanos e identificar as áreas onde serão necessárias contratações
• Gestão consegue traçar e acompanhar, em termos organizacionais e orçamentários, a execução de sua política para Recursos Humanos
• Redução de déficits de profissionais em algumas áreas
• Ampliação de acesso
• Definir os formatos e vínculos
• Elaborar estratégia de recrutamento
• Gestão estabelece vínculos empregatícios que garantam sustentabilidade econômica à sua política de RH e, ao mesmo tempo, que comportem políticas de remuneração variável por desempenho
• Gestão cria incentivos para melhorar desempenho e garante uma política de RH sustentável
• Melhoria da produtividade do sistema de saúde
• Redução de déficits de profissionais em algumas áreas
• Levantar as necessidades de treinamento
• Gestão identifica pontos críticos onde conduta e habilidades dos profissionais devem ser aprimoradas
• Gestão capacita a força de trabalho de acordo com as necessidades do território e as particularidades de cada grupo de profissionais
• Melhoria da produtividade do sistema de saúde
• Melhora da resolutividade
• Elaborar Plano de EPS – Educação Permanente em Saúde
• Gestão traça um plano contínuo e permanente para qualificar a força de trabalho e o executa por meio de escolas de governo e formação para o SUS
• Profissionais se qualificam continuamente e o município cria capacidade formativa para Recursos Humanos
• Melhoria da produtividade do sistema de saúde
• Melhora da resolutividade