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Garantir equidade no acesso ao direito à saúde e cocriar o sistema com o usuário

A incorporação de usuários e usuárias na construção, operação e gestão dos serviços de saúde resulta em melhorias na qualidade do sistema. Essas vozes são especialmente importantes para fazer frente às desigualdades nos resultados de saúde da população. A coleta e análise adequadas de dados que apontam iniquidades e a sensibilização dos profissionais para o tema também contribuem para o desenvolvimento de soluções efetivas. No entanto, gerir e cocriar os serviços de saúde com os usuários tem se mostrado difícil de pôr em prática30. A ausência de mecanismos de participação gera consequências graves na eficiência do sistema e nos resultados de saúde da população, com problemas concentrados em recortes específicos (população negra, por exemplo). Esta proposta detalha os meios para que a gestão torne seus serviços mais acessíveis, participativos e menos desiguais.

Ações na prática e seus indicadores

Boa parte dos municípios que adotam serviços de ouvidoria o fazem de modo centralizado nas secretarias de saúde. Tal fato negligencia as diferenças entre territórios, cada qual com seu universo de problemas. Criar esses espaços no nível territorial e comunitário aproxima usuários e gestores locais, permitindo que os equipamentos no nível do território melhorem seu desempenho por dois canais: primeiro, por meio do conhecimento específico do contexto local que os usuários possuem. segundo, por meio de um acompanhamento mais próximo dos serviços por parte da população.

Indicador: percentual de territórios ou serviços com espaços/ferramentas de escuta e feedback em nível comunitário implementados no município; quantidade de práticas de gestão e assistência modificadas a partir de sugestões e críticas do usuário em cada equipamento ou território.

Os conselhos de saúde têm potencial para aproximar a política de saúde do usuário. O bom funcionamento destes espaços, no entanto, é frequentemente afetado por desafios de governança, como a captura política por lideranças específicas, a exclusão persistente de alguns grupos do processo decisório e a falta de conexão entre os conselhos e as secretarias – o que também compromete o crédito dessas instâncias junto aos usuários. É preciso garantir um balanço de poder e aumentar a representatividade, incluindo novos atores, como coletivos, movimentos sociais e associações de usuários (por exemplo: coletivos de mães, associações de diabéticos, etc.). Além disso, convém que os conselheiros tenham abertura (espaço de agenda) com a gestão central de modo regular, garantindo possibilidade de acompanhamento das deliberações e espaços de escuta para novas demandas.

Muitas unidades de saúde ainda não dispõem de conselhos gestores. A evidência mostra que a criação de espaços de gestão que acolhem a diversidade de atores da saúde (ou seja, profissionais, gestores e usuários) gera uma maior colaboração, profissionalismo e comprometimento na força de trabalho da saúde e também nos beneficiários do sistema, em virtude de gatilhos disparados pela experiência de cada um.

Indicador: número de equipamentos geridos pelo município com conselho gestor implementado.

A Educação Permanente (EP) é uma importante ferramenta de revisão crítica das práticas cotidianas. Muitos profissionais, bem como gestores e os próprios usuários do SUS não têm plena compreensão dos objetivos e diferenciais da cogestão e da participação social. Logo, os espaços de EP podem ajudar a desenvolver diferentes grupos de pessoas para a efetivação da equidade e da participação social. Além disso, o uso de programas intersetoriais como o PSE pode ser um veículo para a incorporação desses conteúdos na Educação Básica.

Indicador: número de ações de EP dentro do tema realizadas por unidade e/ou por escola + feedback de avaliação qualitativa dos envolvidos.

A despeito de o SUS dispor de boas fichas e formulários para coleta de dados, alguns dados que seriam cruciais para trabalhar a perspectiva da equidade apresentam grandes problemas de preenchimento, como é o caso do quesito raça/cor. Programas de certificação motivam os serviços a superar esse problema, o que qualifica o dado e permite uma ação efetiva para reduzir desigualdades.

Indicador: percentual de serviços considerados adequados no programa (meta a pactuar).

A carga moral e os preconceitos estruturais podem influenciar desde o acesso de usuários e usuárias aos serviços até a qualidade do serviço final prestado, comprometendo a relação profissional-usuário, a construção de vínculo e até a adesão ao  cuidado/tratamento. Um bom exemplo é a atenção pré-natal, que tem qualidade significativamente inferior para mulheres pretas e pardas, em comparação com brancas. Oficinas e vivências com os profissionais são ferramentas úteis para reduzir a reprodução de preconceitos e juízos de valor e, portanto, impedir que esses fatores penetrem no campo do cuidado em saúde e prejudiquem a qualidade da Assistência e seus resultados.

Indicador: percentual de profissionais atuantes na rede que passaram pela vivência e sensibilização para esse tema.

Quais problemas resolve

Passos para implementação da proposta

Reunir lideranças dos serviços para sensibilizar sobre a cogestão e a participação social como ferramentas de melhoria de gestão do sistema, garantindo apoio organizacional e político à pauta;

1

Garantir autorizações para a implementação (alocação de tempo, facilitadores, etc.), bem como oferecer suporte institucional à média gestão durante o processo de implementação – acompanhando e cobrando resultados;

2

Auditar e monitorar funcionamento dessas instâncias (frequência de reunião, fluxo de mudança adotado pela gestão local, etc.);

3

Garantir espaço de fala para usuários integrantes dessas instâncias;

4

Mapear profissionais ou instituições parceiras (universidades, etc.) que possam ajudar a multiplicar a capacidade de realização de atividades de Educação Permanente;

5

Incluir indicadores de monitoramento de ações de participação social e equidade no painel de dados de desempenho da saúde do município.

6

Desafios políticos e administrativos

A participação de cidadãos envolve uma série de desafios políticos. Primeiro, a formação de profissionais de saúde e gestores não abraça essa temática e, na perspectiva dos usuários, tampouco há clareza sobre a função da participação dentro do sistema.

Toda ação efetiva de participação envolve uma reorganização de forças entre setores e das clivagens políticas que estão no entorno da provisão de serviços de saúde, o que tende a gerar resistência por parte do status quo. Para enfrentar este desafio o gestor municipal deve combinar técnica e política. Do lado da técnica, é preciso sensibilizar paulatina e constantemente trabalhadores, cidadãos e demais gestores sobre a importância e benefícios da participação. Do lado da política, é preciso usar da liderança para garantir que a média gestão institua espaços de participação e esteja disposta a compartilhar o poder decisório nesses espaços. 

Estudo de caso

Uma experiência de planejamento participativo em Apiacás

Em Apiacás, município mato-grossense com aproximadamente 10 mil habitantes, os gestores decidiram desenvolver ações de planejamento participativo, envolvendo usuários, gestão, Atenção Primária à Saúde, Hospitalar, Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf), Unidade Descentralizada de Reabilitação (UDR) e Vigilância em Saúde, juntamente com o Conselho Municipal de Saúde.

O planejamento participativo com avaliações quadrimestrais, ampliou o número de Equipes de Saúde da Família, investindo na qualificação profissional. A partir disso, foi possível aumentar a cobertura de exames laboratoriais, revisar e ampliar a Relação Municipal de Medicamentos (Remume).

Após implantado o planejamento, o município passou a apresentar resultados satisfatórios nos indicadores do SISPACTO: redução na mortalidade infantil (de 4 para 1 óbito); aumento nas coberturas da Atenção Básica (de 76% para 100%), elevação proporcional de parto normal (de 40% para 52,8%); aumento da cobertura vacinal (de 75% para 100%); e redução no número de óbitos prematuros pelo conjunto das principais Doenças Crônicas não Transmissíveis – DCNT (de 7 para 3).

Curitiba

Cocriar o sistema de saúde possibilita que a pressão e informação dos usuários gerem serviços mais efetivos e reduzam desigualdades no acesso à saúde

Abaixo, descrevemos os mecanismos através dos quais essa proposta impacta positivamente o sistema de saúde, resolvendo os problemas especificados acima: 

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AÇÃO
Mecanismo/produto
Resultado
Impacto
• Criar ouvidorias e espaços para sugestões em todos os equipamentos de saúde
• Usuários fazem sugestões e críticas ao sistema
• Reclamações do usuário geram pressão sobre a administração
• Comentários dos usuários geram novas informações que ajudam a melhorar os serviços
• Atendimento mais humanizado
• Sistema mais resolutivo
• Melhores resultados de saúde
• Tornar conselhos existentes mais democráticos e ampliar diálogo com a administração
• Ampliar representações dentro dos conselhos, e instituir comunicação direta e regular destes com a administração central
• Usuários participam das deliberações cotidianas dos serviços, para além de dar opinião sobre eventos negativos e positivos pontuais
• Ganhos na diversidade dos usuários envolvidos, trazendo pautas mais amplas e potencialmente mais representativas
• Administração compartilha informações e decisões com os usuários de modo rotineiro e contínuo
• Usuários podem acompanhar/ contribuir no monitoramento de intervenções ao longo do tempo
• Dimensão pedagógica e de sensibilização dos atores por meio do compartilhamento da experiência de cada um
• Atendimento mais humanizado
• Sistema mais resolutivo
• Melhores resultados de saúde
• Instituir Educação Permanente sobre participação social e cogestão na saúde
• Profissionais têm a oportunidade de refletir sobre suas práticas, reduzindo carga de estereótipos e preconceitos e ampliando a habilidade de cogestão do cuidado/serviços com o usuário
• Usuários passam a conhecer melhor as potencialidades e os modos de participar na condução das políticas e ações de saúde
• Redução da carga de preconceitos nas práticas cotidianas da Saúde
• Ampliação do número de usuários com grande apropriação e capacidade de vocalização nas instâncias de cogestão
• Consolidação da participação e controle social como valores do SUS
• Aumento da representatividade nas instâncias de participação
• Atendimento mais humanizado
• Sistema mais resolutivo
• Criar Programas de qualificação da coleta de dados
• Instrumentos de coleta de dados melhor preenchidos • Dados melhores
• Evidenciação de desigualdades de acesso e de qualidade de serviço prestado em grupos populacionais específicos
• Maior confiabilidade de todos os dados
• Sistema mais resolutivo
• Melhores resultados de saúde
• Redução de desigualdades históricas na Saúde
• Instituir programa para redução de preconceitos e estereótipos na Saúde
• Profissionais são sensibilizados para as questões da reprodução de preconceitos e estereótipos em práticas cotidianas
• Reflexão sobre a prática cria novas práticas e novos sentidos para o trabalho em Saúde
• Redução de barreiras de acesso
• Melhoria na equidade